Processos de recrutamento e seleção são as estrelas na área de RH, não é mesmo?
Livros, livros, e mais livros foram escritos sobre recrutamento e seleção, e ainda assim, para quem não está dentro do departamento, não conseguimos entender os critérios pelos quais os currículos recebidos são administrados.
Geralmente, recebemos algumas respostas quando enviamos um currículo para uma vaga:
A primeira é: “Obrigado por enviar seu currículo!”
A segunda é: “Infelizmente você não tem o perfil que estamos procurando para essa vaga. Nós te encorajamos a continuar tentando, blá, blá, blá”.
Zero feedback e zero transparência.
Essa história do perfil da vaga é uma coisa meio que sombria para quem está de fora do RH. Afinal, o que é o perfil da vaga?
Será o perfil da vaga algo relacionado à cultura da empresa? Será que toda empresa tem uma cultura mesmo, ou são apenas rotinas e hábitos?
Será que o perfil da vaga é algo relacionado à vaga em si, como as habilidades soft e hard que alguém necessita para realizar o trabalho?
Ou será que o perfil da vaga é como você se compara aos outros candidatos que enviaram currículos? Ou àquela indicação que um diretor pode ter feito?
Afinal, qual é a realidade dos processos de recrutamento e seleção nas empresas?
Como as Empresas Selecionam Candidatos?
Em 2013, os pesquisadores Pernilla Bolander, da escola de economia da Universidade de Estocolmo, na Suécia; e Jorgen Sandberg, da Universidade de Queensland, na Austrália, estudaram como a seleção de empregados é feita. Na prática.
Aqui cabe um parênteses. Eu quero dar um alô para aquelas pessoas que acham que “a academia é descolada da prática”, ou ainda que “pesquisadores não sabem conversar com as empresas”. Isso é mentira, e uma grande desculpa para deixar de ler artigos científicos e se atualizar no seu campo de trabalho.
Continuando. Bolander e Sandberg, em 2013, entraram dentro do departamento de “Gente” de duas empresas de tecnologia da informação (TI).
Mais precisamente, eles queriam descobrir como que esse pessoal tomava decisões para contratar ou não as pessoas que eram selecionadas para as entrevistas.
E o que eles descobriram confirma tudo aquilo que eu já falei aqui neste site.
Eles descobriram que métodos de seleção, roteiros de entrevista, conselhos e prescrições de professores na faculdade, e demais “receitas de bolo” são raramente seguidas.
Na verdade, o que acontece é muito mais intuitivo, é muito mais um acordo entre RH e o gestor da vaga, do que uma checklist de elementos a serem validados.
A Verdade Inconveniente
Bolander e Sandberg assistiram a diversas entrevistas com candidatos à vagas de consultor de TI e consultor de estratégia para as empresas de TI.
O que eles observaram foi que haviam duas situações predominantes:
- Muitas vezes, as reuniões pós-entrevista já começavam com uma decisão. Em uma delas, um funcionário do RH disse: “Nossa, esse foi o pior candidato. De longe”.
- Outras vezes, as reuniões pós-entrevista tem discórdia. Em uma delas, um funcionário do RH foi “voto vencido”, porque acreditou em um candidato que os demais não gostaram.
Mas como é que esse processo de tomada de decisão acontece?
Essa é a verdade inconveniente.
Primeiro, cada um dos presentes na entrevista forma uma “versão” dos candidatos na sua cabeça.
Ou seja. Eles assistem à entrevista e fazem julgamentos, como: “ele é criativo”, “ela é competente”, “ele tem potencial”, “ela é o que precisamos”, “ele não serve para a nossa empresa”, “ela jamais vai se adaptar nessa vaga”.
Esses julgamentos são baseados em percepções totalmente subjetivas.
Eu vou repetir. Os julgamentos que os entrevistadores fazem são totalmente subjetivos.
Você pode até achar isso normal, mas vamos além. A verdade inconveniente é até mais profunda que isso.
Depois de fazer esse julgamento, é que os selecionadores e entrevistadores estabelecem factualmente as versões que eles criaram dos candidatos.
Em outras palavras: Depois que eles julgam a pessoa como “competente”, é que eles procuram provas para apoiar essa percepção.
Para você ter noção do perigo que é “atirar primeiro e perguntar depois”, vou te dar um exemplo.
Um candidato que foi aprovado foi julgado como sendo “incapaz de se adaptar”. Entretanto, o gestor da vaga interpretou essa incapacidade de se adaptar como uma evidência de que ele é seguro de si mesmo.
É como se eu chamasse você de teimoso, mas dissesse que isso é uma virtude sua, sacou?
É como se você me chamasse de pedante, chato, e metido a intelectual, mas dissesse que isso é por causa que eu leio demais, e deveria ser encarado como uma coisa boa.
E não acaba por aí!
Um entrevistador relatou que um dos candidatos contratados, aquele mesmo que é incapaz de se adaptar, estava com roupas inadequadas para a entrevista.
Assim como eu, você muitas vezes deve ter lido que a primeira coisa para se fazer em uma entrevista é, pelo menos, colocar uma camisa social, ou sei lá, se vestir bem, certo?
Pois é. Olha que bacana. Qual você acha que foi a interpretação das roupas do candidato?
a) Ele poderia ter se preparado melhor para a entrevista. Ele não se importou muito com os detalhes.
b) Ele nem tentou nos impressionar. Ele é muito seguro de si mesmo!
E o pior acontece quando há desentendimento entre os entrevistadores. Em um caso, haviam 3 entrevistadores para um candidato. Enquanto 2 concordaram que não contratariam, 1 dos entrevistadores insistia.
Ao invés de entender e escutar o que o outro entrevistador tinha a dizer, ou seja, a “versão” que ele construiu do candidato, bem como as evidências que ele tinha encontrado para apoiar essa “visão”, em uma democracia, 2 é maior que 1.
No final, um dos entrevistadores “concorda em discordar”, e é “voto vencido”.
A luz no fim do túnel (ou não)
Antes de fazerem as entrevistas, os candidatos fizeram testes de personalidade.
Para que? Bom, não vou entrar aqui no mérito da utilidade ou não dos testes de personalidade que seu coach preferido aplica.
O que é assustador é que o teste de personalidade aplicado foi para “Inglês Ver”. Ou seja, as decisões de contratação ou não foram tomadas antes de o teste de personalidade ficar pronto.
Por que tudo isso me assusta (e deveria te assustar também?)
Bom, como falei no início, temos muitos livros, pesquisas, e material sobre recrutamento e seleção.
Não há nada mais importante que as pessoas para uma organização, cara. Isso é indiscutível.
Mas mesmo assim, nesses dois casos, os entrevistadores ignoraram todo o material sobre seleção, todas as melhores práticas, e formaram julgamentos subjetivos que culminaram com as suas decisões.
Outra coisa bizarra: O maior motivo para fazer uma entrevista é “conhecer melhor o candidato”, porque existem coisas, características, atributos, que você só consegue perceber pessoalmente, certo?
Mas mesmo assim, os entrevistadores tendem a construir “versões” dos candidatos que os definem impiedosamente, como se fossem características genéticas imutáveis, ou certezas absolutas.
A Moral da História
Processos seletivos são muito mais enviesados, muito mais subjetivos que pensamos.
Quando você se deparar com o tal “perfil da empresa”, ou “perfil da vaga”, ou ainda, com qualquer “incompatibilidade” bizarra que você pode ter, lembre-se que essa é uma resposta tão geral quanto “obrigado por enviar o seu currículo”.
Também, não fique triste caso te rejeitem em uma empresa. Provavalmente, eles literalmente não sabem o que estão fazendo, e estão usando muito mais a intuição e demais aspectos emocionais do que a racionalidade.
As decisões quanto a seleção de funcionários são retrospectivas. Isto é, primeiro os entrevistadores definem quem vai passar, e depois pensam em motivos para explicar porque. Kahnemann explica.
Daniel Kahnemann é um dos maiores nomes da psicologia da decisão, e explica que temos dois tipos de raciocínio. O sistema 1 e o sistema 2.
Muito brevemente, o sistema 1 é aquele que usamos 99% do tempo. Ele é o emotivo, o que procura por experiências passadas, o que não “vai com a cara” das pessoas, etc.
O sistema 2 é a racionalidade de fato. O sistema 2 é o cansaço que você sente quando eu peço para você multiplicar 67*576. Qual é o resultado?
Provavelmente você vai tentar fazer essa conta e desistir em 3 segundos. Ou vai pegar uma calculadora e ver que o resultado é algo em torno de 38 mil.
Todas as pessoas preferem usar o sistema 1. Fomos programados para isso, está no nosso cérebro.
Essa é a verdade inconveniente sobre como as empresas selecionam seus candidatos.
Um amigo meu, um excelente advogado, uma vez me disse: “Cabeça de juiz é como bunda de bebê. Você nunca sabe o que vai sair de lá.” Acho que podemos falar o mesmo de grande parte dos processos de recrutamento e seleção das empresas.
Gostou do texto? Você vai gostar mais ainda do ebook que eu fiz para você sobre estratégia corporativa. É de arrebentar!
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REFERÊNCIAS
Bolander, Sandberg (2013) How Employee Selection Decisions are Made in Practice. Organization Science
Compre agora: Kahnemann (2011) Rápido e Devagar: Duas formas de pensar.