Se tem uma coisa que me tira do sério é a fixação dos gestores por KPIs, isto é, “key performance indicators”, ou ainda, os indicadores chave de performance.
Eu explico. KPIs são uma maneira de mensurar quantitativamente o trabalho de alguém. O vendedor tem KPIs como ligações feitas, vendas feitas, reuniões marcadas, etc. O comprador pode ter KPIs como cotações feitas, savings ou a economia gerada nas compras, etc.
O problema é que isso mostra uma dimensão totalmente ausente nas empresas hoje, cara.
O gap, o vazio, a lacuna imensa, gigante, o abismo entre a administração e as outras ciências sociais.
Veja, a administração sempre está catalogada como uma ciência social aplicada. Isso significa que usamos coisas da sociologia para tirarmos as conclusões que tiramos.
Além disso, as pessoas esquecem da filosofia, da psicologia, da história, e de outras disciplinas que também são fundamentais para entendermos como funciona a administração de empresas e organizações.
Nesse artigo, eu quero te mostrar porque seus KPIs estão todos errados. Mais ainda, eu quero te mostrar que existe um único KPI capaz de medir todos os outros KPIs.
Garra.
O que é garra?
Garra é tesão. Vamos voltar às origens.
Tesão é uma coisa inata e instintiva, geralmente sexual. Quando temos tesão, nos sentimos pilhados para tomar uma ação. É como se só “aquilo” importasse naquela dada hora. É uma mistura de paixão com vontade de fazer.
A grande sacada é que tesão tá em todo lugar. Tesão não se discute. Mas eu quero abrir essa conversa com você.
Garra e tesão tem duas coisas em comum.
Primeiro, a paixão. Você é apaixonado por um homem ou uma mulher, e nada freia teu tesão.
Segundo, a perseverança. Independente do que acontecer, teu tesão continua. Nunca vi tesão ser impedido, ou o tesão acabar. O tesão só acaba quando você desiste. E se você desistiu, não é tesão.
O mesmo com a garra. A garra é o tesão pelas coisas do seu dia a dia.
A garra é a paixão que você tem pelo que você faz. É o tesão que eu sinto, por exemplo, por escrever todo dia aqui, acordando às 4h da manhã para fazer isso. É o tesão que você pode sentir por fechar uma venda, por passar de ano, por conseguir um emprego.
É um “rush”, um poço de endorfinas, serotoninas, e todas essas coisas boas da vida.
A garra é a perseverança que te faz ir em frente mesmo quando tudo dá errado. Tiveram incontáveis dias que eu achei que isso daqui que você tá lendo não valia a pena. Que eu podia estar fazendo outra coisa. Que eu podia desistir, sem grilos.
Minha garra, meu tesão não deixou. Eu vou até o fim.
Beast Barracks
Mas como isso se aplica em todas as áreas?
Você com certeza já ouviu falar de alguém que tem uma disciplina militar, né?
Pois é, nos Estados Unidos, existe a academia de West Point, com exames de admissão bem mais concorridos que os de Harvard.
Não bastasse a concorrência, cerca de 20% dos que entram, desistem.
E geralmente eles desistem no Beast Barracks. Os Beast Barracks são as primeiras sete semanas de treinamento. Sem final de semana, sem contato com ninguém fora de West Point, e com estudos e exercícios físicos incessantes. Só tem intervalo pra comer, durante 30 minutos.
Se você não tem tesão, se você não tem garra, você vai desistir.
E é isso que acontece na verdade, na realidade. Angela Duckworth, psicóloga da Universidade da Pennsylvania, estudou quem desiste e quem não desiste. Porque não adiantava olhar para os pontos no processo seletivo, nem para o passado do aluno, nem para a sua família. Ninguém conseguia saber porque eles desistiam.
O talento não interessa. A educação não interessa. O potencial não interessa. Os pontos e o score nos exames não interessa.
Ela descobriu que os alunos que desistiam do Beast Barracks eram aqueles com menos garra.
Vendas
O mesmo acontece com vendas. Qual a diferença de um puta vendedor pra um vendedor medíocre?
Vendas é foda, porque é uma profissão que você é constantemente rejeitado. Você leva “nãos” na cara mesmo, as pessoas te acham um porre, enfim. Vendas é quase como uma academia militar.
Duckworth descobriu que, assim como no treinamento militar em West Point, os que não desistem são aqueles que tem mais garra. Não importa o nível de educação, o interesse pela empresa, o salário, os benefícios. Nada.
Até as métricas mais usadas, inclusive nos estudos acadêmicos sobre vendas, como extroversão, foco no resultado, estabilidade emocional, e consciência, não chegaram perto de medir quem seria o bom vendedor, e quem iria desistir.
Só a garra mostra quem vai ficar, e quem vai desistir.
Educação Formal
A garra também mostra quem vai mais longe nos estudos formais.
Ou seja, aqueles que continuam se capacitando e indo além em seus estudos, tem mais garra do que aqueles que param no meio do caminho.
Nada de “gostar de estudar”, de “se sentir seguro na escola”, de “levar o estudo a sério”, ou de “ser um gênio”.
É a garra que indica quem vai mais longe e quem desiste no meio.
A moral da história
O nosso potencial é uma coisa. O que fazemos com ele é outra coisa totalmente diferente.
Gestores podem até tentar medir KPIs a torto e direito. Podem inventar métricas pra tudo, ou pegar os últimos artigos científicos da área pra montar uma escala de performance.
E eu não digo que eles não deveriam fazer isso. Eles precisam fazer isso. É sempre bom ter dados. O problema é acreditar que os dados são o santo graal da administração estratégica, e fazer um altar para Porter e Kotler em uma sala da empresa.
O problema é que as escolas de negócio e os gestores de hoje cegam os alunos e eles mesmos para as outras disciplinas que revelam o comportamento humano.
Isso é em parte culpa da academia, que também é quantitativa demais e acha que humanos são como samambaias e organizações são como florestas. E isso é em parte culpa do mercado, que ainda trata humanos como samambaias e organizações como florestas.
Olhando exclusivamente para estudos em gestão, nos cegamos para todas as outras áreas do conhecimento. a gente voluntariamente elimina o que os outros estão estudando e fazendo ao nosso bel-prazer.
Cara, não dá mais pra ser assim e fazer isso. Não dá mais para ignorar outras disciplinas e áreas do conhecimento. A gente tá em 2018, não em 1980.
Taylor e Fayol passaram. A administração científica acabou, morreu, não dá certo. Seres humanos são complexos, e organizações de seres humanos são mais complexas ainda.
Se há uma coisa que define as organizações que vão para a frente, não são KPIs. É a garra dos seus funcionários. Se há uma coisa que define as pessoas que tem sucesso, não é talento ou potencial. É a garra.
Eu com certeza vou ensinar isso pro meu filho.
Mas antes, eu mandei um email pros executores. Conhece eles?
Os executores são uma porrada de gente que leu o que eu escrevo aqui, gostou, e quer seguir em frente comigo. São os caras que recebem um email meu por semana, tão cansados da mesmice e do marasmo, e querem algumas dicas de desenvolvimento pessoal.
Aqui é ciência com coerência. Não é palpite nem cientificismo. Não é livrinho best-seller nem artiguinho do Buzz Feed. É conteúdo de verdade.
Por email, eu mando os melhores insights que eu tenho com as minhas leituras. São reais chaves pro desenvolvimento pessoal, cara. Os executores recebem esses emails toda sexta, e me respondem pedindo mais informações.
Eles também recebem o meu livro, que fala sobre “O que todo mundo deveria saber sobre estratégia”, um guia prático que vai com 89 perguntas que você precisa responder.
Porra, o que você tá esperando? Vai ficar aí parado, fechar a janela? Ou vai executar logo e melhorar a sua vida? A responsabilidade é tua, bicho.
REFERÊNCIAS
Duckworth, A. (2016). Grit: The power of passion and perseverance (Vol. 124). New York, NY: Scribner
Taleb, N. N. (2012). Antifragile: how to live in a world we don’t understand (Vol. 3). London: Allen Lane
Photo by Pablo Rebolledo on Unsplash