Sou um liberal, filiado do partido NOVO, e fui voluntário por algum tempo.
O liberalismo tem limites, entretanto. Na literatura sobre educação superior, o “neoliberalismo” é o que os acadêmicos mais temem que aconteçam dentro da universidade – e ele está acontecendo.
O “neoliberalismo” que eles falam consiste em transformar qualquer tipo de instituição e organização em uma transação. No Brasil a gente tem muito dessa cultura de “tô pagano”, e é mais ou menos isso. Só porque você tá “pagano” não significa que você é dono do lugar.
Enfim, quando a gente fala de ensino superior, cada vez mais a gente usa termos ligados ao comércio e à indústria, já percebeu? Porra, me diga como que você quer aumentar a produtividade de uma universidade, ou a sua eficiência?
A universidade não é uma linha de produção. É um processo de transformação altamente ineficiente e contraproducente. Professores não são “recursos”, eles são mentores. E mentoria se faz um-a-um, num processo ineficiente pra caralho.
Por isso a universidade é diferente da faculdade. Muitas vezes, a faculdade não tem essa mentalidade de mentoria, e coloca todo mundo pra fazer EAD, aí sim como numa linha de produção.
É fundamental que você entenda a diferença entre o a linha de produção do EAD e a formação artesanal da universidade – principalmente porque a segunda está sumindo.
A linha de produção do EAD é fundamental. Sem ela, mais de 60% dos que hoje estão matriculados no ensino superior não estariam, e teriam abandonado os estudos. São alunos que querem um ensino profissional. Querem um ensino do tipo “transação comercial”, e precisam aplicar imediatamente o que eles aprendem em sala (ou no computador). Repito. O EAD é fundamental para nosso país.
A formação artesanal da universidade é fundamental, também. Dela sairão os nossos futuros políticos, empresários, CEOs, formadores de opinião. Sem ela, a filosofia, sociologia, química, física, e outras coisas que não servem pra nada, não existem.
É latente que aqueles que aprendem essas artes liberais, como são chamadas nos Estados Unidos as disciplinas mais abrangentes, como produção de texto, matemática e álgebra, filosofia, química, dentre outras, aprimoram sua capacidade cognitiva em maneiras que aqueles que estudam coisas mais técnicas não conseguem. É para isso que serve a universidade. Como uma entrevistada da minha dissertação disse:
A universidade é a cada daquele conhecimento, daquela inteligência que não serve pra nada. Tem coisa que não serve pra nada, mas essas coisas são as que mais avançam a capacidade de raciocínio humano.
E esse é o problema do “neoliberalismo”. O “neoliberalismo” prescreve comportamentos de mercado para instituições que não fazem parte do mercado. A universidade não é uma organização como outra qualquer. Filosofia, escrita, e álgebra não são essenciais, produtivas, ou eficientes para o mercado, portanto, vamos acabar com isso (ou reduzir muito com isso).
Com o “neoliberalismo”, ficaremos com muitos profissionais que conhecem muito de tecnologia, engenharia, administração, direito, psicologia, e demais cursos – veja o catálogo de uma grande fornecedora de EAD, por exemplo. Com o “neoliberalismo”, não teremos mais pesquisa, mais campus, mais filosofia, e nossos futuros CEOs, políticos, e tomadores de decisão não existirão – ou serão todos voltados para o mercado, e passaremos o resto da nossa existência correndo atrás do nosso próprio rabo.
REFERENCIAS
Gumport, P. J. (2000). Academic restructuring: Organizational change and institutional imperatives. Higher education, 39(1), 67-91
Gumport, P. J. (1997). In search of strategic perspective: A tool for mapping the market in postsecondary education. Change: The Magazine of Higher Learning, 29(6), 23-38
Kerr, C. (2001). The uses of the university. Harvard University Press.
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