(Prefácio: Gosto de psicologia e leio vários psicólogos, mas tem coisa que, cara, me faz querer engolir a mão de ódio)
Minha família é uma coisa bizarra. Quando eu tinha 3 anos, se eu não me engano, eu conseguia distinguir umas letras das outras. Minha mãe então conheceu uma psicóloga que disse que eu era superdotado. Pronto, começou a cagada que duraria até hoje.
As expectativas começaram a ser muito mais altas, e claro que nem sempre eu consegui cumpri-las. Na família, sou o que chegou mais longe, academicamente falando. Todos me acham brilhante, superinteligente, o Einstein tupiniquim do Alto da XV, o tesouro talentoso e perfeito da vovó.
Quantas vezes já não ouvi falarem que pra mim tudo era fácil. Como eu comecei a ler cedo, meus familiares achavam que eu deveria fazer tudo muito facilmente e sem esforço.
Em contrapartida, meu irmão começou a desenhar muito cedo. Sempre foi elogiado pelos desenhos dele, colocaram em aulas de desenho, e moldaram a vida dele para o desenho, e depois cagaram pra isso, porque desenho não dá futuro e não mostra inteligência. Que critérios de merda né.
Steve Jobs, em seu discurso em uma formatura de Stanford (um tanto irônico, porque ele nunca se formou) disse que apenas depois que as coisas acontecem a gente consegue conectar os pontos. Porra, é claro, Steve, você tá parecendo o Leandro Banal falando obviedades. Nossa vida é cheia de pontos e a gente liga os pontos que quisermos, da maneira que quisermos. É que nem um bando de fanáticos por estatística fazendo cálculos de correlação e querendo implicar causalidade, mas isso já é outra coisa.
A questão é: será que alguém, alguma vez, prestou atenção no esforço?
O esforço é aquela merda que ninguém quer fazer. Todo mundo vira os olhos pra cima quando ouve que “tem que se esforçar”. Ninguém nunca viu as noites em claro do Caio, ninguém nunca perguntou que livros o Caio lê, quanto o Caio estuda, quanto o Caio trabalha. Afinal, todos esperam que o talento venha naturalmente, como veio anos atrás, quando uma psicóloga falou que eu era “superdotado”.
Carol Dweck passou a vida inteira dela se esforçando e estudando que premiar, enaltecer, e colocar o talento acima de tudo é uma grande cagada, porque isso deixa o esforço em segundo plano.
Mas porra, ainda fazem isso, cara!
Da próxima vez que você achar alguém inteligente, admirar algum hábito, alguma característica que não seja inata, como o porte físico, a disciplina de acordar cedo, de ler um livro por semana, de fazer um mestrado ou um doutorado, de trabalhar que nem um filha da puta e chegar em casa e ainda estudar, não pense que ele ou ela nasceu com isso. Isso é uma desculpa pra fazer você se sentir melhor na sua mentalidade fixa, na sua incapacidade de mudança, na sua frouxidão.
“Ah Caio, você tá sendo muito duro, como se você fosse perfeito”. Porra, quer falar de mim? Eu desisti da faculdade de direito com 20 anos porque eu era um zé ruela, um piá de prédio, gordo, burro, sedentário e babaquinha. Eu sei como é difícil virar a chave.
Mas é óbvio que pra mim sempre foi mais fácil, afinal, uma psicóloga me disse que eu sou “super-dotado”. Devo ter perdido essa bosta de “superdotadez” porque eu tenho que me esforçar pra caralho pra fazer as coisas.
“Você não pode determinar a direção de uma curva dado apenas um ponto, não há curva para começar com apenas um ponto. Um único ponto no tempo não mostra tendências, melhorias, esforço, ou habilidade”. (Dweck, 2006)
REFERÊNCIAS
Dweck, C. S. (2006). Mindset: The new psychology of success. Random House Incorporated.
Duckworth, A. (2016). Grit: The power of passion and perseverance. Findaway World LLC
Seligman, M. E., & Csikszentmihalyi, M. (2014). Positive psychology: An introduction. In Flow and the foundations of positive psychology (pp. 279-298). Springer Netherlands.
Mischel, W. (1973). Toward a cognitive social learning reconceptualization of personality. Psychological review, 80(4), 252.
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